A emergente discussão de uma renda básica universal no Brasil em tempos de pandemia

 Luiz Alberto de Vargas e Walter Oliveira

As políticas econômicas marcadamente neoliberais adotadas pelos governos Temer e Bolsonaro favoreceram — e favorecem ainda — a desregulamentação do trabalho, o que, em longo prazo, prejudica o desenvolvimento nacional. A procura pelo auxílio emergencial revelou a existência de milhões de pessoas até então invisíveis (80 milhões de brasileiros) e a paralisação da economia formal, com gravíssimas e rápidas consequências sociais. Os governos dos mais diversos níveis, na sua maior parte, demonstram pouca preocupação em manter em- pregos e salvar as pequenas e microempresas. Frente a essa realidade, ao ensejo do amplo debate atual sobre o abono emergencial, busca-se examinar as possibilidades de inclusão na agenda política nacional de uma renda básica universal em cumprimento do dever constitucional do Estado de garantir políticas de proteção social e de garantia de renda e emprego.

1. Introdução: a evolução do conceito de necessitado – da caridade aos mendigos à renda de cidadania

Historicamente, a ajuda aos necessitados dependeu da família, do clã, das comunidades, das irmandades religiosas, das sociedades mutuais, das corporações de ofício, das instituições benemerentes: ajuda aos “seus” e desamparo dos “outros”. Essa ajuda tinha natureza caritativa e se sustentava na iniciativa privada, com apoio secundário do poder público. Destinava-se aos desvalidos, aos “perdedores” que ficavam pelo caminho do progresso material e, assim, eram tidos como “benefícios altruístas” — não eram vistos como direitos e não tinham a obrigação de serem reabilitadores ou, mesmo suficientes. O estigma de “mendigos e vagabundos” — que sempre acompanhou os contemplados por tal ajuda — somente passa a mudar a partir da compreensão dos riscos sociais decorrentes da insustentabilidade e da instabilidade sociais causadas pela emergência de uma pobreza “no coração da sociedade” (CASTEL, 1998, p. 495). Surgem os Estados de bem-estar social com uma nova visão sobre a marginalização, superando o conceito de assistência caritativa (primeira metade e meados do século XX). Criam-se diversos mecanismos de proteção social: previdência social (incorporação das mútuas sindicais profissionais); proteção contra doenças profissionais; aposentadoria; seguro-desemprego; auxílio família; assistência à saúde; deduções fiscais; benefícios de prestação continuada; serviços básicos públicos e gratuitos (saúde e educação); subsídios (transporte e moradia); salário-mínimo; direitos laborais e de proteção ao emprego; subsídios à contratação e incentivo à negociação coletiva. Todos esses mecanismos estão associados a um conceito particular de marginalização, próprio do Estado de bem-estar social, ligado à condição de trabalhador e ao mito do pleno emprego. Visto o trabalho como um dever do cidadão, um auxílio assistencial aos desempregados se justifica apenas como “ponte” para uma desejável reintegração deles ao mercado de trabalho. Ficam de fora os marginalizados que não se vinculam ao mercado de trabalho.

O destinatário da ajuda social é quem não pode trabalhar e, assim, não pode prover com o seu trabalho o sustento material da sua família. Aquele que não trabalha, seja porque não quer ou porque não pode, é considerado um “cidadão de segunda classe”, um peso para a sociedade, que deve assegurar tão-somente sua manutenção vital — não necessariamente sua reinserção social. Em um contexto amplo de tipos de marginalização1, opta-se por discernir os que “merecem ser ajudados” dos que se conformaram definitivamente com sua condição subalterna e, assim, por incompetência ou inação, se “auto excluíram” de qualquer esforço de reinserção social, interpretada como uma recuperação de sua condição de cidadão. Essa lógica, intrinsicamente discriminatória e funcional à dominação capitalista, fica desnudada a partir da crise dos modelos de economias sociais-democratas, em que o retorno do desemprego em massa evidencia sua natureza estrutural e o desmanche dos Estados de bem-estar volta a jogar à miséria e ao desamparo parte significativa da população. O avanço das ideais neoliberais levou a um aumento considerável da miséria, ao mesmo tempo em que reduzia a capacidade dos Estados nacionais em amparar seus cidadãos2.

Assistiu-se a um retorno ao malthusianismo, agora sob a forma de necropolítica3, com uma marginalização estrutural em que se abandona a ilusão do pleno em- prego e passa-se a sustentar “que sempre houve e sempre haverá perdedores”. Uma massa impressionante de desamparados (trabalhadores desempregados desalenta- dos, “precarizados”, informais, falsos “autônomos” desassistidos de serviços públicos essenciais e abandonados pelas políticas de seguridade sociais) passa a exigir dos Estados nacionais estratégias de convivência com os permanentemente marginalizados, criando-se um verdadeiro APARTHeid social.

Esse mundo globalizado, perverso e individualista, em marcha batida para o caos, parece infenso a qualquer proposta de alteração de rumos, indiferente a qualquer crítica.

Isso até o momento em que a pandemia torna todos nós, simultaneamente, mais reflexivos e mais sensíveis aos problemas do mundo. Subitamente, a crise sanitária parece ter criado uma inusitada consciência a respeito da insustentabilidade do mundo atual. Proposições até então tidas como utópicas e inviáveis agora passam a ser tomadas a sério4.

Entram em cena diversas estratégias para enfrentar esse problema, talvez o mais grave que enfrenta o mundo neste início de século. Direita e esquerda, aparentemente, parecem concordar que mecanismos de transferência para os setores menos favorecidos possam ser parte da resposta.

Neste artigo pretende-se contextualizar como o atual debate sobre o abono emergencial e sua manutenção (ou substituição por um benefício equivalente) pode descortinar uma maior compreensão sobre a urgência de uma renda básica universal que caminhe no sentido de cumprir o dever constitucional do Estado: garantir políticas de proteção social e de garantia de renda e emprego.

2. Por que a renda básica universal (RBU) é essencial ao debate do Brasil de hoje? A discussão pós-pandemia

A discussão a respeito de uma renda básica universal (RBU) torna-se maior e mais urgente em tempos de pandemia. No mundo do trabalho, um dos mais dramáticos efeitos dos tempos insólitos — a par da aceleração de processos que já avançavam na surdina, como a digitalização do trabalho e a expansão do trabalho domiciliar — é a maior visibilidade de graves distorções sociais que, até então, passavam pouco percebidas, como o vertiginoso aumento da desigualdade e a importância, no caso brasileiro, de uma crescente economia informal5 (atividade econômica e emprego6). A pandemia do Covid-19 paralisou subitamente a economia nacional, atingindo for- temente o setor informal – com previsíveis graves consequências sociais e políticas, mas, também, ameaçando abalar a economia como um todo7. Às pressas, o governo brasileiro e o Congresso Nacional, em inédito consenso, estenderam um benefício emergencial de R$ 600,00 por três meses a trabalhadores até então esquecidos, e, mesmo, não percebidos, tanto que os gastos totais serão superiores àqueles previstos pelo governo8.

A surpresa também ocorreu em relação aos efeitos benfazejos do auxílio emergencial sobre a economia9, verificando-se um saudável retorno a esquecidas lições do pensamento keynesiano, bem na contramão de ideias neoliberais que pro- põem ainda maiores rigorismos fiscais — algo que, na prática, apenas agravaria ainda mais a recessão econômica10. O sucesso do abono emergencial e a ousadia que as circunstâncias tornaram inevitável, a de enfrentar os dogmas do pensamento econômico dominante, têm levado economistas mais lúcidos à iconoclastia de propor o fim dos limites constitucionais do teto de gastos e a adoção de políticas vigorosas de expansão dos gastos públicos11 — algo, aliás, que não discrepa do que tem sido feito pela maioria dos países desenvolvidos (DIEESE, 2020).

Todos têm destinado “vultosos recursos financeiros para a sustentação do isolamento fiscal, aumentando a dívida pública ou emitindo moeda, além de conferir às empresas empréstimos a fundo perdido, feito diretamente pelos governos, com a única contrapartida de manutenção dos empregos” (COELHO, 2020).

É nesse contexto que surge o debate pela implementação de uma renda básica universal, que substituiria a política provisória e focalizada de transferência de renda, expressa na concessão do abono emergencial, por uma política permanente e universal de renda mínima, ainda que tais avanços necessariamente impliquem uma revisão da emenda constitucional nº 95 (sobre o teto de gastos orçamentários) e da Lei de Responsabilidade Fiscal12.

3. O que é a renda básica universal?

De Manitoba (Canadá) à Finlândia, diversas experiências de transferência de renda estão sendo realizadas pelo mundo. O próprio papa Francisco fez uma declaração a favor da renda universal. No Brasil, há a experiência exitosa da criação, pela Prefeitura de Maricá, na região metropolitana do Rio de Janeiro, da “mumbuca”13, moeda social digital que circula entre as pessoas carentes da cidade, operada pelo Banco Comunitário. A mumbuca, além de proporcionar uma substantiva transferência de renda, funciona também como elemento dinamizador da economia da cidade, envolvendo mais de um quarto da população local e representando já um dos mais importantes experimentos de renda básica realizados no país (INSTITUTO PALMAS, 2018).

A renda básica universal tem também uma dimensão estratégica, qual seja a de fazer aparecer o caráter social do trabalho não mais como a mera existência monetária da mercadoria, na margem da produção real, mas como meio de enfrentar as crises gerais de produção e comércio.

A ideia de assegurar aos moradores de determinado território uma renda mínima com a finalidade de garantir a satisfação de suas necessidades básicas é antiga. Autores como Eduardo Suplicy (2020), identificam sua origem na Utopia de Thomas Morus14. Ao longo da história, pode-se identificar essa preocupação em prover ajuda aos necessitados como um mecanismo de solidariedade essencial à própria sobrevivência da espécie e, por isso, é compreensível que a consciência sobre sua importância para a coesão social tenha evoluído ao longo do tempo (ENGELS, 2000), variando sua natureza e intensidade de acordo com as condições materiais em cada momento histórico. Pode-se dizer, assim, que mecanismos de garantia da sobrevivência e do bem-estar de toda a população como meio de realização da justiça social representam o acúmulo das experiências históricas que demonstraram sua imprescindibilidade para a coesão do tecido social. Chegado o momento histórico em que empregar a todos já não é mais possível15, como assegurar a sobrevivência de uma maioria de alijados da sobrevivência pelos frutos exclusivos do próprio trabalho?

A resposta dada pela direita política é consentânea com o entendimento de que os marginalizados pelo mercado de trabalho são “loosers”16 a serem amparados, na mesma lógica de “cidadania de segunda classe” pela qual a sociedade admite sua obrigação de lhes oferecer um auxílio de emergência, mas não de assegurar os meios necessários para uma vida digna17. A ideia de um “imposto de renda negativo” foi apresentada por Milton Friedman (1975) supostamente como uma evolução das políticas de bem-estar social. Consiste na criação de um limite mínimo de ganhos para cada indivíduo, de forma que aqueles que têm rendimentos abaixo desse limite terão a diferença paga pelo governo. Sua principal qualidade, segundo seus proponentes, seria a “focalização”18, ou seja, atingiria apenas os que “realmente precisam”, o que exige uma forte política de fiscalização e, também, a comprovação por parte dos que requeiram o benefício, bem como o acoplamento a políticas de capacitação e reco- locação profissional, de forma que o pagamento do benefício não exceda os períodos em que o auxílio seja efetivamente necessário. Outra faceta perversa da proposta, nem sempre explicitamente apresentada por seus defensores, é a de que a concessão de uma renda básica levaria a uma menor responsabilidade do Estado, implicando uma redução dos gastos com serviços públicos. Assim, a proposta se alinha com as conhecidas teorias de substituição das prestações de serviços públicos por vouchers, tão ao gosto do pensamento neoliberal (ROCKWELL, 2014).

A proposta de economistas de esquerda é outra: a renda básica universal19. A RBU é apresentada como herdeira natural das estratégias reformistas de “desmercantilização” do mercado e de redução da jornada de trabalho como forma de aumentar a escassez da mão de obra, com elevação dos salários. Mas não se limita a isso. A renda básica universal tem também uma dimensão estratégica, qual seja a de fazer aparecer o caráter social do trabalho não mais como a mera existência monetária da mercadoria, na margem da produção real, mas como meio de enfrentar as crises gerais de produção e comércio, independentemente da crise de dinheiro (capital-dinheiro).

De certo, como foi concebida por autores neoclássicos — e mesmo neoliberais como Milton Friedman —, uma transferência de renda, desde que parcial e moderada, pode ser tolerável, desde que não altere os preços relativos e garanta a prevalência das chamadas “leis de mercado”. Mas o potencial emancipador das propostas de RBU não pode ser subestimado. A RBU representa um rompimento com a lógica de mercantilização de todas as dimensões da vida, colocando em questão a ideia de um homo economicus a exigir uma racionalidade egoísta em que o mercado se apresenta como única alternativa possível. Por outro lado, uma efetiva RBU, cumprindo os critérios de suficiência e universalidade, seria fator inestimável para reduzir a assimetria entre capital e trabalho à medida que reduziria o excesso da oferta de força de trabalho e contribuiria como fator de empoderamento da classe trabalhadora em luta por melhores condições de vida, impulsionando, ademais, a elevação da consciência dos trabalhadores — e da sociedade em geral — a respeito da necessidade de, através das lutas sociais e políticas, pôr limites ao capitalismo virótico e destrutivo (ANTU- NES, 2020). Esse círculo virtuoso pode mesmo, no limite, levar água ao moinho da superação do modo de produção capitalista.

A RBU pode ser definida como um pagamento periódico em dinheiro entregue de modo incondicional a todos individualmente, sem necessidade de testes de meios ou requisitos de trabalho (RBRB, 2020). Assim, temos as cinco características que a diferenciam de outras propostas de transferência de renda: a) é periódica, paga em intervalos regulares — e não um subsídio único; b) é paga em dinheiro ou em um meio de troca apropriado, permitindo que seus beneficiários decidam em que gastar; c) é individual — e não paga, por exemplo, para as famílias; d) é universal, paga a todos; e) é incondicional, paga sem comprovação de renda ou outras exigências (como trabalhar ou demonstrar vontade de trabalhar)20.

A importância de que esse pagamento seja universal e incondicional é a de que se trata de um “direito de cidadania”, seja porque não se trata de ajuda estigmatizante, seja porque nada mais é do que o cumprimento do dever do Estado em garantir vida digna a seus cidadãos. Tal proposição torna-se plenamente plausível – e quase inevitável – a partir do abandono da ideia do pleno emprego e da constatação de que, no futuro, o emprego se tornará dramaticamente escasso e será impossível assegurar a todos uma vida digna apenas pela oferta de postos de trabalho21.

Assim, a RBU não se opõe à bandeira de “trabalhar menos para trabalharem todos” (AZNAR, 1995), mas a leva adiante. No futuro, a RBU poderá funcionar como um rendimento de manutenção que poderá ser complementado por uma “segunda renda” (DANERIS, 2018, p. 93) para quem quiser ganhar mais ou, então, como uma liberação do trabalho excessivo para que o indivíduo possa se dedicar a ocupações menos rentáveis, como podem ser as atividades domésticas, artísticas, lúdicas ou benemerentes (PARIJS, 2014). Cada um será “livre para escolher a área de interesse para desenvolver suas atividades laborais, melhorando a autoestima e qualidade de vida” (RBRB, 2020). Nesse sentido, a ideia da RBU dialoga com outras propostas emancipatórias, como a “sociedade dualista” de André Gorz, a “cidadania social” de Alain Supiot ou a “conversão ecológica” de Dominique Méda (2019).

A incondicionalidade também servirá para reduzir a resistência de setores da classe-média, tradicionalmente avessa a concessões às parcelas menos favorecidas da população (SOUZA, 2018), já que será um benefício para todos. Por outro lado, a desnecessidade de uma dispendiosa estrutura burocrática para classificação, seleção e fiscalização para discernir entre os “que precisam” e os “que não precisam” da RBU — já que todos, como cidadãos, fazem jus a ela — tornará muito simples e barato o procedimento de concessão do benefício.

Parece igualmente importante conceituar corretamente a renda básica não como uma mera “renda mínima vital”22 destinada a erradicar a pobreza, mas como um programa destinado a garantir uma vida digna para todos23.

Assim, a renda básica não é uma renda mínima, mas se define como uma quantia de dinheiro suficiente para suprir necessidades fundamentais de cada indivíduo. Tem caráter libertário (BRANCAGLIONE, 2014), e não meramente assistencial.

Certamente, não se pode esperar que se possa instituí-la de imediato e sem grande resistência política, mas é preciso entender completamente a proposta, sob pena de desfigurar sua compreensão, concebendo-a como mais um projeto de auxílio assistencial.

Por isso mesmo, não se cogita da RBU que substitua benefícios previdenciários de nenhum tipo ou que justifique a redução de serviços públicos. Ela será mais um direito social que já pode — e deve — ser colocado a serviço da cidadania por um inegável progresso material para o qual todos contribuímos — e que, agora, deve ser mais bem distribuído —, servindo, assim, para abrir caminho para um mundo de maior igualdade e bem-estar social.

4. Brasil na pandemia: um debate acelerado por uma crise inédita e inesperada. As disputas em torno do benefício emergencial

O debate sobre a RBU torna-se premente a partir da constatação de que a pandemia não cessará em poucos meses, como previam os mais otimistas, que a recuperação da economia será lenta e que, provavelmente, não se retornará nem mesmo aos modestos patamares de crescimento econômico anteriores à pandemia.

Surge um consenso a respeito da prorrogação do benefício emergencial e sua substituição por algum outro benefício de transferência de renda, muito próximo de uma renda básica.

A disputa pela natureza, periodicidade e dimensão do auxílio marca todo o debate sobre o novo Renda Brasil24. Na linha de um “imposto de renda negativo”, o que o Governo Federal propõe é um “novo Bolsa Família”, com um valor não superior ao atual25, financiado pelo simples deslocamento de vários gastos de natureza previdenciária e assistencial para atender a esse novo benefício, não cogitando de aumento da carga tributária26. Já para a oposição se trata de transformar o Renda Brasil na ver- são mais aproximada possível de uma RBU, de forma que seja permanente, universal e de mais alto valor possível.

O “cabo de guerra” do debate político iniciou-se com as divergências a res- peito da prorrogação do benefício emergencial por mais dois meses ou até o final do ano; sua redução para R$ 200, com a clara finalidade de “carregar” o valor de R$ 600 para um eventual Renda Brasil27; a definição da natureza individual ou familiar do benefício; a fixação de uma “linha de corte” para a concessão do benefício; o estabelecimento de uma forma exclusiva de financiamento; sua substituição ou não por outros benefícios, e sua vinculação ou não ao salário-mínimo.

O debate prossegue agora, especialmente a respeito do financiamento do benefício, sendo um lugar-comum dos setores neoliberais que uma RBU “não cabe no orçamento público brasileiro”, algo que, em meio a uma crise econômica sem prece- dentes, parece fazer pouco sentido. Ao contrário do que recomendam economistas dos mais diversos matizes28, que preconizam urgentes medidas contra cíclicas capazes de diminuir o impacto recessivo que ameaça destroçar o tecido produtivo brasileiro, uma visão ortodoxa e superada que ainda comanda as decisões econômicas governa- mentais insiste em manter uma política de Laissez Faire, indiferente e de negação, como se a crise pudesse ser superada por si só, pelo simples decurso do tempo.

Parece evidente que, a partir da inegável necessidade de ampliar vigorosa- mente o gasto público, dever-se-ia aproveitar este momento para alterar o modelo tributário brasileiro, altamente regressivo e uma das causas da imensa desigualdade no país29. Entretanto, essa não parece ser a intenção governamental, que cogita a transformação do auxílio emergencial em novo “Bolsa Família” pela simples fusão de benefícios já existentes30. Na mesma linha, há outras propostas que, recusando enfrentar o grave (e real) problema da desigualdade, propõem a simples troca de benefício31.

Uma fonte específica de enorme importância é o imposto sobre grandes fortunas (IGF), previsto na Constituição, mas não regulamentado. A previsão constitucional é uma enorme vantagem. Esse imposto teria dupla função: desconcentrar renda no topo da pirâmide e a distribuir aos demais segmentos.

5. Como pagar a RBU?

Em tom de alarme, fala-se da impossibilidade de financiamento da renda básica universal, ou mesmo de uma ampliação do abono emergencial, com a mesma ladainha que nada mais significa do que a negação do dever primário do Estado: o de assegurar a provisão de um sistema de proteção social, de um conjunto integrado de ações com competência dos poderes públicos para organizar e iniciar essas ações de gerar mecanismos de proteção como, por exemplo, universalizar a cobertura do benefício da RBU, o que combina com o expresso no artigo 196 da Constituição da República.

A história parece se repetir. Em outros tempos de depressão, o PIB dos EUA a partir de 1930 também sofreu uma sequência de quedas ininterruptas. A solução que aquele país encontrou deveria servir de exemplo para todas as crises econômicas provocadas pela recessão. Quando, em 1933, Franklin D. Roosevelt assumiu a Presidência da República, lançou o New DEAL porque à época o PIB correspondia a 56% do de 1929, 25% dos trabalhadores americanos estavam desempregados e a renda per capita no período de 1929 a 1933 havia variado de US$ 700 para US$ 373. O New DEAL pode ser caracterizado como um conjunto de medidas regulatórias e de programas de emergência de geração de emprego e renda, que gerou, como decorrência, extensa rede de assistência social para viabilizar um auxílio imediato à população. Esse era o principal programa de governo de Roosevelt, com o Estado desempenhando papel central na indispensável recuperação econômica, dada a incapacidade da iniciativa privada e dos agentes de mercado de se autorregularem em níveis adequados de emprego, produção e consumo (LIMONCIC, 2009).

O caso dos EUA serve para mostrar que o papel do Estado é imprescindível na promoção e provisão de um sistema de proteção social. A criação dessas redes de proteção social pelo Estado tornou-se generalizada na Europa após a Segunda Guerra e caracterizou o chamado Estado de bem-estar social.

No Brasil, a lei n. 10.835, de 8/1/2004, institui a renda básica de cidadania, “que se constituirá no direito de todos os brasileiros residentes no País e estrangeiros residentes há pelo menos 5 (cinco) anos no Brasil, não importando sua condição socioeconômica, receberem, anualmente, um benefício monetário”. Todavia essa importantíssima lei não se tornou efetiva por ausência de “interesse político na implementação da renda de cidadania nos moldes previstos, para todos e sem condicionantes” (LAZ- ZARIN, 2020), uma vez que condicionada às “possibilidades orçamentárias”.

A RBU pode ser financiada por diversas fontes ou por fonte específica, como um imposto sobre os ganhos decorrentes da especulação monetária ou dos dividendos (LAZZARIN, 2020), impostos patrimoniais sobre terrenos ou imóveis, imposto sobre herança, reforma tributária progressiva etc.32

Uma fonte específica de enorme importância é o imposto sobre grandes for- tunas (IGF), previsto na Constituição, mas não regulamentado. A previsão constitucional é uma enorme vantagem33. Esse imposto teria dupla função: desconcentrar renda no topo da pirâmide e a distribuir aos demais segmentos. Segundo estima o economista Henrique Mota, da PUC-RJ, o imposto com alíquotas progressivas teria um impacto arrecadatório entre R$ 22 bilhões e R$ 40 bilhões, e a tributação de dividendos com as mesmas alíquotas que incidem sobre os salários traria uma receita adicional de R$ 70 bilhões, a preços de 2016 (CARVALHO, 2020).

Ademais, é preciso evitar a visão simplória de que a macroeconomia possa ser correntemente entendida pela analogia com os orçamentos domésticos. Assim, como já demonstrou Keynes, o manejo do crédito e da dívida pública são fundamentais para assegurar a sustentabilidade do cresci- mento econômico: quando o governo gasta, parte dessa renda retorna sob a forma de im- postos34. Assim, qualquer estudo deverá con- siderar que o “gasto líquido” de um programa de renda mínima será, aproximadamente, a metade do custo total do programa, porque parte considerável voltará pelo incremento da arrecadação tributária35.

O mundo pós-covid

É direito de todos que o Estado cumpra seu dever de garantir, mediante políticas sociais e econômicas, a geração de mecanismos de proteção social, e que desenvolva um conjunto integrado de ações para atingir esse objetivo de bem comum. Entre tais medidas, desponta a de universalizar a cobertura da renda básica universal

6. Conclusão

É fundamental que se faça o debate pela criação de uma renda básica universal (RBU) em substituição ao abono emergencial, trocando-se um programa provisório e focalizado de transferência de renda por uma política permanente e universal de renda mínima.

Não é proposição utópica e inviável, e diversas estratégias para a sua adoção podem ser empregadas para enfrentar o problema de quem não pode prover com o seu trabalho o sustento material da sua família. As mais diversas vertentes políticas parecem concordar com a necessidade de criação de mecanismos de transferência para os setores menos favorecidos, para resolver esse problema imediato.

É direito de todos que o Estado cum- pra seu dever de garantir, mediante políticas sociais e econômicas, a geração de mecanismos de proteção social, e que desenvolva um conjunto integrado de ações para atingir esse objetivo de bem comum. Entre tais medidas, desponta a de universalizar a cobertura da renda básica universal.

A RBU não vem para substituir benefícios previdenciários de nenhum tipo ou para justificar a redução de serviços públicos: será mais um direito social disponibilizado à população como modo de tornar viva a cidadania, com a finalidade de se buscar o progresso material que todos almejamos e para o qual contribuímos — e que, agora, deve ser mais bem distribuído —, servindo, assim, para abrir caminho para um mundo de maior igualdade e bem-estar social.

Não há razões econômicas sérias para negar aos setores mais vulneráveis de nossa sociedade o direito a uma renda básica em valor, no mínimo, igual ao que é atualmente pago na forma de auxílio emergencial. Trata-se, apenas, de vontade política.

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Notas:

1) Um universo de “perdedores” pode incluir outros tipos de marginalização, sejam decorrentes  de infortúnio (velhos, portadores deficiência, doentes); de conduta (prostitutas, drogados, delinquentes); por problemas familiares ou culturais (mulheres presas ao trabalho doméstico ou de cuidado), ou mesmo, por opção pessoal (hippies, revolucionários, intelectuais).

2) Quase metade da população mundial (3,4 bilhões de pessoas) ainda luta para satisfazer suas necessidades básicas, segundo o Banco Mundial (QUASE…, 2020).

3) “Neste malthusianismo regenerado e subterrâneo a estratégia da necropolítica não é realizar um massacre a olhos nus, nem tampouco o de insuflar discursos beligerantes. É fazer da morte um acontecimento invisível e sobre a qual se possa mesmo negar a existência” (PIMENTEL FILHO, 2020, p. 141).

4) Assim, surgem ou revivem ideias de “decrescimento”; de regulação dos fluxos internacionais de capital (taxa Tobin);  da taxação das grandes fortunas; do não pagamento das dívidas externas dos países do Terceiro  Mundo; de uma nova moeda internacional para as relações comerciais internacionais; de regulação dos mercados financeiros e controles mais severos sobre a atuação das empresas transnacionais, que passam, surpreendentemente, à ordem do dia.

5) Entende-se que a economia informal é composta pelas atividades econômicas que produzem bens e serviços com a finalidade de gerar emprego e renda, com emprego de trabalhadores com contratos de trabalho formalizados ou não. Todavia, a precisão do conceito de setor informal está em debate, como noticia o Blog do Instituto Brasileiro de Economia. Cf. Olinto (2020).

6) Tendencialmente, a crise econômica tem levado ao deslocamento do setor formal para o informal: de 2012 a 2019, a participação na economia do setor informal cresceu de 30% para 33%, com queda equivalente do setor formal, de 50,7% para 47% (OLINTO, 2020).

7) O setor informal, segundo o IBGE, é composto pelos produtores de bens e serviços que geram ocupação e renda e operam com baixo nível de organização, com alguma ou nenhuma divisão entre trabalho      e capital como fatores de produção e em pequena escala, sendo ou não formalmente constituídos.  Essa economia não formalizada movimentou cerca de R$ 1,12 trilhão em 2019, valor semelhante às economias da Suécia e Suíça (ECONOMIA…, 2019).

8) Esse prognóstico surpreendeu o governo, que esperava um gasto de R$ 124 bilhões (fonte: Tesouro Nacional) — equivalente à redução de gastos prevista pela reforma previdenciária —, quando, pelos cálculos da Instituição Fiscal Independente, o gasto em três meses chegará a R$ 154,4 bilhões, beneficiando 79,9 milhões de brasileiros (CASTRO, 2020). O auxílio emergencial já foi solicitado por 43% da população brasileira; e, destes, apenas 60% receberam ao menos uma parcela do dinheiro (COSTA; RIZZOTTO; LOBATO, 2020).

9) O   auxílio   emergencial   é    um    benefício    financeiro    destinado    aos    trabalhadores    informais, microempreendedores individuais (MEI), autônomos e desempregados, e tem por objetivo fornecer proteção emergencial no período de enfrentamento à crise causada pela pandemia do coronavírus. Segundo estudo da economista Débora Freire (UFMG), a concessão do benefício emergencial implicou um “desvio” de 45% na queda do PIB do trimestre. Assim, se o PIB cair 1 ponto percentual, haverá a mitigação de 0,45 p.p. por efeito da renda básica. No caso de benefício pago até  o final do ano, o impacto será de 0,55 p.p. do PIB. O impacto positivo nas receitas fiscais cobriria 45% do custo da renda básica (NASSIF, 2020).

10) Em sociedades heterogêneas, a transferência de renda para setores menos favorecidos amplia a demanda agregada, criando um amplo mercado interno de consumo e beneficiando toda a economia. No caso da economia brasileira, em recessão, não há riscos de pressões inflacionárias (CASTRO, 2013).

11) “Não há como enfrentar a crise atual sem expansão substantiva dos gastos públicos, seja para sustentar a folha de salários, seja para garantir solvência às empresas, em especial as micro e pequenas, seja para evitar uma debacle no sistema bancário. Mais do que isso, cabe salientar que essa ação estatal deverá, necessariamente, ser financiada por expansão do endividamento público ou por emissão monetária. Isso implica que as regras fiscais vigentes, algumas previstas na Constituição Federal de 1988, sejam abandonadas.” (MUNDOS DO TRABALHO, 2020)

12) A lei complementar nº 101, de 4/5/2000, chamada de Lei de Responsabilidade Fiscal, estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e estabelece no art. 1º, § 1º, que pressupõe essa responsabilidade, a ação planejada e transparente em que se previnem riscos e corrigem-se desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas. A lei pressupõe inalteráveis os fatores da ação planejada para o resultado de uma gestão fiscal para o equilíbrio das contas públicas. Todavia, alterados esses fatores, inexistirá todo o resto constante no planejamento da ação, e o resultado final de equilíbrio das contas públicas não se verificará. Isso ocorreu, por exemplo, na adoção pelo Governo Federal (governos Temer e Bolsonaro) de uma política de desregulamentação e precarização do trabalho no país, o que resultou em mais desemprego e desassistência social agora agudizada pela pandemia de covid-19. Consequentemente, essa lei não pode ser tomada como óbice à realização dos objetivos fundamentais da República de promover o bem de todos, de erradicar a pobreza e a marginalização e de redução das desigualdades sociais, principalmente no momento de grave crise econômica, de baixo crescimento do PIB e, agudizando tudo isso, de epidemia de covid-19.

13) Nome derivado do rio que corta vários bairros da cidade. A mumbuca é destinada à parcela da população que recebe o cartão Mumbuca. Na prática é “um cartão de débito pré-pago no qual é depositado mensalmente um crédito de 70 mumbucas, equivalentes a exatos R$ 70. Está previsto um aumento desse valor para 140 mumbucas em um futuro próximo. O cartão pode ser usado somente nos locais comerciais registrados dentro do município. Para esse esquema funcionar a contento, é necessária uma infraestrutura para a disponibilização e leitura dos cartões, bem como a ativa participação do governo da cidade, responsável por injetar o dinheiro no sistema. Além disso, é muito recomendável que os beneficiários também tenham acesso a cursos e atividades ligados à educação financeira e inclusão social, oferecidos pela prefeitura e pelo banco comunitário.” (CERNEV; PROENÇA, 2016).

14) Segundo o mesmo autor, Thomas Paine, Bertrand Russel, J. Rawls e James Tobin também se inscrevem entre os que propugnaram por uma renda básica universal.

15) Conforme Cheng Li, com base no pensamento de Hariri, a imensa revolução social provocada pela inteligência artificial faz nascer uma “classe social sem função econômica”, que substitui o “proletariado” tradicional e até mesmo esvazia a classe média existente, algo que torna a RBU item prioritário da agenda internacional, chamando a atenção da elite mundial, preocupada com o profundo impacto econômico que a mudança pode ter no sistema político mundial (LI, 2016, p. 15-17).

16) Para os neoliberais, o valor de um benefício assistencial deve ser propositalmente baixo e estigmatizante para diminuir sua procura. Nesse sentido, reconhecê-lo com um direito será a pior das estratégias, levando a um aumento astronômico do número de beneficiários.   O assistencialismo, assim, deve     ser preferencialmente privado e facultativo, baseado no “princípio do estímulo à independência e à autoajuda, reforçando também por toda a sociedade as virtudes da autossuficiência e da autonomia” (ROTHBARD, 2020).

17) Exatamente por entender que qualquer proposta de transferência de renda implica necessariamente a aceitação desse descompromisso do Estado com o pleno emprego, autores progressistas como Guy Aznar e André Gorz se manifestaram contra a renda básica universal (SILVA, 2017).

18) Não necessariamente políticas focalizadas se opõem a políticas universais. Vistas como uma importante complementação para a racionalização e eficiência de gastos em programas sociais, políticas bem focalizadas mostram-se particularmente difíceis no Brasil, onde tradicionalmente uma grande parcela dos recursos públicos é capturada pelas camadas mais favorecidas da população (MELLO, 2004), chegando-se ao paradoxo de os custos de focalização serem iguais ou superiores ao total dos gastos com o próprio programa social. Nesses casos, é bem mais barato e racional pagar o benefício para todos, dispensando-se custos de focalização.

19) Desde 1968, quando cinco economistas de esquerda (John Kenneth Galbraith, Harold Watts, James Tobin, Paul Samuelson e Robert Lampman) encabeçaram uma petição com mais de 1.200 economistas pedindo a implantação de uma RBU (BASIC INCOME EARTH NETWORK, 2020), a proposta tem-se tornado, nos últimos tempos, ponto de convergência nos programas de vários partidos de esquerda, podendo-se citar, mais recentemente, a aprovação de um programa de renda mínima pela coalização de esquerda que governa a Espanha (PSOE, Podemos, partidos regionais) (DOMBEY; SANDBU, 2020).

20) “Uma renda básica, em outras palavras, é uma renda que (1) não se restringe àqueles que se dispõem a trabalhar, (2) é disponível ex ante, (3) é garantida independentemente da situação familiar e (4) não varia segundo o lugar de residência.” (PARIJS, 1994)

21) A pandemia torna urgente esse debate, a ponto de a ONU, em seu site, em 6 de maio de 2020, publicar matéria preconizando a RBU para evitar “um desastre econômico para um grande número de pessoas em todo o mundo” (COVID…, 2020).

22) Recentemente, a Espanha aprovou uma “renda mínima vital”, com valor entre 462 euros (para uma pessoa que vive sozinha) e 1.015 euros (para um casal com três ou mais filhos), com o objetivo de reduzir a pobreza extrema, beneficiando 12 milhões de pessoas (RENDA…, 2020).

23) A ideia de uma renda que seja “suficiente para uma vida digna” parece essencial para que se evitem  os riscos de uma “dualização” da cidadania, com a ampliação de situações de discriminação e marginalização dos que não trabalham.

24) O governo pretende propor um projeto, com base em estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que substituiria o Bolsa Família, o Benefício de Prestação Continuada, o salário-família e a dedução por dependente familiar do imposto de renda por um benefício único, para famílias de baixa renda, por criança até certa idade.

25) O valor de cada benefício é de R$ 41, e cada família pode acumular até cinco benefícios por mês, chegando a R$ 205.

26) Até mesmo porque o governo insiste em não estender para 2021 a liberação da limitação do teto de gastos orçamentários previsto na emenda constitucional nº 95.

27) Uma primeira proposta governamental nesse sentido foi o pagamento do benefício em duas vezes de R$ 300; a segunda proposta previa três vezes de R$ 300, três vezes de R$ 200 ou três vezes de R$ 100. Uma terceira proposta foi de mais duas vezes de R$ 600.

28) De Luiz Gonzaga Belluzzo a Armínio Fraga, todos se colocam de acordo em que a recuperação da economia brasileira e de outros países só será possível com um novo desenho da economia de mercado, especialmente em relação ao papel do Estado (VILELA, 2020).

29) Nesse sentido, estudo coordenado pelo economista Eduardo Fagnani, no âmbito da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) e da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), denominado “Reforma justa e solidária”, levou à apresentação, pela deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), da emenda substitutiva nº 178 à proposta de emenda constitucional (PEC) nº 45 (sobre a reforma fiscal), que tramita na Câmara Federal (BRASIL, 2019).

30) Exemplo desse descompromisso com aumentar a arrecadação é o estudo da FGV pelo qual seria criado um benefício para crianças em famílias de baixa renda, com um valor médio de R$ 60 por criança, que fundiria o Bolsa Família, o abono salarial (PIS), a dedução do imposto de renda e o salário-família pela simples transferência dos recursos orçamentários desses benefícios (R$ 52 bilhões) a um novo Renda Brasil, algo que ocorreria sem qualquer aumento de receita.

31) Pela proposta do economista Samuel Pessôa, haveria uma renda básica de cidadania de R$ 406, a preços de 2017, com redução, pela metade, de todos os benefícios permanentes, previdenciários e assistenciais pagos pelo setor público (DUQUE, 2020).

32) Estudo recente de um grupo expressivo de tributaristas, liderado pelo Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindfisco Nacional), mostra que, somente com as alterações legais — não constitucionais — nas alíquotas do imposto de renda e a criação de um imposto sobre grandes fortunas, seria possível uma arrecadação próxima de R$ 200 bilhões anuais.

33) O artigo 153 [EC nº 20/98 e EC nº 42/2003] da Constituição estabelece: “Compete à União instituir impostos sobre: […] VII — grandes fortunas, nos termos de lei complementar.”

34) “Ao acelerar o crescimento econômico com políticas de estímulo, o governo está aumentando também a sua receita. Como visto, o gasto público em momentos de crise econômica, principalmente com alto desemprego e alta capacidade produtiva ociosa, incentiva/promove a ocupação da capacidade, reduz o desemprego e gera crescimento.” (ROSSI et al., 2019)

35) Debora Freire e pesquisadores do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) estimaram o efeito que o auxílio emergencial terá na arrecadação do Governo, já que a renda transferida para as famílias acaba sendo utilizada na compra de bens e serviços e, assim, movimenta a economia e gera arrecadação de impostos.

Autores:

Luiz Alberto de Vargas é Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 4ª Região, mestre em Direitos Humanos pelo Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter), doutor em Ciências Jurídicas e Políticas pela Universidade Pablo de Olavide (Sevilha, Espanha), professor da Fundação Escola de Magistratura do Trabalho do Rio Grande do Sul (Femargs) e da Escola Trabalho e Pensamento Crítico, pesquisador do Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho (Ipeatra) e membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD). E-mail: lavargas@ uol.com.br

Walter Oliveira é Servidor público do TRT da 4ª Região, mestre e doutor em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E-mail: walzeus@hotmail.com

Palavras-chave: Renda Básica Previdência Políticas Sociais Cidadania Pandemia Covid-19 Brasil LRF CF

DIREITO DE GREVE COMO DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL QUE NÃO PODE SER NEGADO AOS TRABALHADORES DE APLICATIVO

Luiz Alberto de Vargas[1]

Os direitos humanos em tempos de mudança

Quando em 1990, Norberto Bobbio saudava o século XX como a era de conquistas de direitos dos quais “não se poderia facilmente voltar atrás” (BOBBIO, 1992, p.  62), pensava-se que o século XXI seria o da consolidação definitiva de direitos básicos reconhecidos universalmente, dentre eles em especial os chamados “direitos sociais” que configurariam um patamar civilizatório irretrocedível, do qual os Estados de feitio socialdemocrata que emergiram das cinzas da segunda guerra mundial fariam catapultar novas e ampliadas conquistas em um processo contínuo de ampliação de direitos e de busca de maiores níveis de igualdade material.

Tal ilusão não chegou a virar o século, não resistindo às sucessivas crises que minaram os Estados de Bem-Estar Social, tornando-se novamente prevalente uma certa concepção de direitos humanos como contra-hegemônicos, vistos essencialmente como uma trincheira de resistência contra a opressão e a exploração desenfreadas do capitalismo globalizado. Inevitável reconhecer um retrocesso considerável em nossas esperanças de um novo milênio de luzes e progresso. Passados já dois decênios da virada do século, o que assistimos com desgosto, não é o avanço dos direitos humanos, mas, ao contrário, o retorno triunfal de ideias que pareciam definitivamente obsoletas e arquivadas pela história, como um liberalismo econômico cínico e indiferente às suas consequências sociais. Com a arrogância dos obscurantistas e a desfaçatez dos psicopatas, velhas ideias regressivas sobre o descompromisso do Estado com a economia (Hayek) e sobre a inevitabilidade da exclusão de parcelas inteiras da população dos benefícios econômicos do progresso (Malthus) desavergonhadamente voltam a circular nos debates acadêmicos  (com a pachorra de autodenominar-se como o “novo”), como se não tivessem dado causa a uma crise econômica sem precedentes em 1929, e, como uma consequência, à ascensão do nazi-fascismo.

Desde o final do século passado, vivemos uma crise depois de outra, com graves consequências para os povos e para os pobres de todo o mundo. A dura realidade de um mundo cada vez mais desigual, em que a miséria e a exclusão social não são mais exclusividade da periferia, agora atingem também os países centrais e tornam visíveis as limitações de políticas de direitos humanos que, desconectadas das raízes econômicas, sociais, culturais e políticas da desigualdade e da subalternidade, não apenas não apresentam soluções para a exploração e a opressão, mas principalmente invisibilizam os contextos em que tais fenômenos ocorrem.

Após “trinta anos infames”, em que vimos deteriorar todas as conquistas civilizatórias dos trinta anos anteriores e se desmontar, pedaço por pedaço, a delicada engenharia política que as mantinham, nos resta, ao menos o duro aprendizado de que o caminho do progresso e da paz mundial não decorre apenas da boa-vontade dos governantes; que a justiça e a maior igualdade material ocorrem dentro de um processo que não é inevitável nem isento de retrocessos; que a superação da imensas iniquidades e desequilíbrios no relacionamento entre as nações não ocorrerá por conta de bem-intencionadas políticas humanitárias de solidariedade mundial.

Os direitos humanos, como também pensava Bobbio, devem ser compreendidos como “históricos”, ou seja, não podem ser pensados como mera abstrações, já que são feitos de “carne, suor e sangue” (AMARAL, 2017). Como ensinou Herrera Flores (2009, p. 34), a história move-se através da luta dos povos por alcançar maiores patamares de dignidade, entendida não como uma abstração descontextualizada da realidade; mas, concretamente, “como o acesso igualitário e não-hierarquizado aos bens materiais e imateriais que fazem com que a vida seja digna de ser vivida”. Esta é a melhor e mais moderna expressão de “direitos humanos”, que encontra em tal concepção um encaixe concreto com o mundo real, deixando ao passado as pretensões universalistas e abstratas que marcaram a doutrina tradicional de direitos humanos.

Nesse sentido, os direitos humanos podem e devem ser compreendidos “como inseridos na luta dos povos e dos setores menos favorecidos da sociedade por transformações sociais emancipatórias que ampliem os espaços de participação e empoderamento de todos e todas para lutar plural e diferenciadamente por uma vida digna de ser vivida” (HERRERA FLORES, 2009, p. 115). O campo dos direitos humanos, assim, desce do paraíso das formulações teóricas “a priori” que os consideram como “direitos naturais” à espera de um “reconhecimento” formal para a luta terrena e “impura” da mutável, plural e transformável realidade social (HERRERA FLORES, 2009, p. 115). Se no paraíso dos direitos humanos abstratos, a serpente mítica sempre pica os descalços; ao decair para o mundo dos homens, ela torna-se concreta e alcançável pela ação humana.

Os direitos sociais no contexto da luta social

Particularmente apresentados como objetivos a serem perseguidos (e nunca alcançados), os direitos sociais foram sistematicamente negados como direitos (ou, pelo menos, como direitos incompletos, sem eficácia), como promessas guardadas para um futuro de progresso material para todos que – agora sabemos –  nunca chegaria.

 Por certo, a ingenuidade de que uma maior e mais justa distribuição de riqueza e renda chegaria, mais cedo ou mais tarde, por conta de um capitalismo solidário e de face humana foi sepultada perante a inflexibilidade da leis de mercado e as limitações dos recursos naturais do planeta. Aproximamo-nos de uma “transição paradigmática” como resposta a um desencantamento geral com a “modernidade inacabada” para a qual urge “reinventar um mapa emancipatório” que não se esgote em “mais um mapa de regulação”, mas seja capaz de criar uma “subjetividade intelectual e coletiva capaz de usar e de querer usar esse mapa” (SANTOS, 2000, p. 305-34).

Para tanto, a compreensão do papel dos atores sociais nas lutas é fator diferencial entre teorias de direitos humanos que pretendam alinhar-se a esse tempo de transformações. Desconectados da realidade social e política da maioria, teorias abstratas mostram grande dificuldade de reconhecer como direitos humanos fundamentais aqueles ligados ao trabalho, mormente em sua dimensão coletiva, desconhecendo o papel fundamental dos sujeitos coletivos como portadores dos valores de justiça, de igualdade e de direitos, sem os quais a própria história da humanidade não pode ser compreendida (HOUTART, 2006, p. 11).

Chega a ser algo paradoxal negar-se como fundamentais os direitos laborais. Mormente porque importa em negar a própria origem histórica dos direitos humanos, estreitamente associados ao reconhecimento de que foram a miséria e a precariedade das condições de trabalho a que chegaram os trabalhadores na Europa na primeira metade do século XX os principais motivos que levaram à 2º guerra mundial. Justamente por conta da aguda consciência que dela emergiu que se passou a compreender que a paz mundial não seria alcançada enquanto os Estados nacionais fossem omissos quanto à opressão e à exploração de seus trabalhadores.   “Paz universal e duradoura só pode ser estabelecida se for baseada em justiça social” foi a consigna que moveu os esforços pelo construção da Liga das Nações já em 1919. E também o motivo para a criação da OIT no mesmo ano, constando a frase no Preâmbulo de sua Constituição.  A ideia de que “o fracasso de qualquer nação em adotar condições humanas de trabalho é um obstáculo no caminho de outras nações que desejam melhorar as condições em seus próprios países” finalmente ganhou consenso entre os países destroçados pela guerra em 1949, quando a ideia generosa nascida na fracassada Liga das Nações ganhou corpo na Organização das Nações Unidas. A emergência da questão de direitos inerentes e inegáveis a toda pessoa humana, especialmente os direitos sociais associados a um direito ao trabalho (ou de manter a si e a sua família através de uma renda ligada ao trabalho) foi central na criação da ONU e do revigoramento da OIT.

A negociação coletiva e o direito de greve: direitos fundamentais a ser alcançados a todos trabalhadores

Duas convenções marcaram essa reorganização da OIT e, não por acaso, estão entre as oito normas fundamentais da OIT até hoje: a Convenção 87, que trata da liberdade sindical; e a Convenção 98, que trata do dever dos Estados em fomentar a negociação coletiva. Parece claro que, para a OIT, a melhor e mais efetiva forma de alcançar a justiça social decorre de duas exigências básicas destinadas aos Estados-nacionais emergentes do pós-guerra: a de permitirem a livre organização dos trabalhadores e que garantam a estas autonomia e condições mínimas para que possam negociar melhores condições de vida e trabalho. A justiça não seria, assim, uma concessão aos trabalhadores, mas fruto de sua luta coletiva. Essa é a correta compreensão dos esforços da OIT nesses cem anos, que se expressa, ainda hoje, na sua campanha pela promoção do Trabalho Decente, um dos “Objetivos de Desenvolvimento Sustentável” (ODS) definido pelas Nações Unidas, em especial o ODS 8, que busca “promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todas e todos” (ONU, 2015). No cerne do conceito de trabalho decente, está o respeito aos direitos fundamentais do trabalho entre os quais destacam-se os da liberdade sindical e o direito à negociação coletiva (OIT, 2012).

É através da negociação coletiva, dentro do pacto socialdemocrata que sustentou os Estados de Bem-Estar Social, que se pretendeu uma “invenção civilizatória” pela qual criavam-se regras que limitavam o poder econômico em busca de um certo equilíbrio entre os atores sociais (GODINHO, 2002, p. 150). Apesar disso, uma distorcida compreensão que se estabeleceu a partir do reconhecimento pelos Estados nacionais das recomendações da OIT e da incorporação aos seus ordenamentos jurídicos de um grande número de normas protetivas de direito individual. Passou-se a pensar em uma proteção limitada, como se as normas que emanam da OIT visassem, precipuamente, estabelecer um rol de normas legais no campo do direito individual que afetassem os contratos de trabalho, sem perceber que a grande aposta da OIT sempre foi a de garantir espaços de liberdade para a organização autônoma dos trabalhadores, livres da ingerência de poderes estatais e privados, para que os próprios trabalhadores, através de sua luta, alcançassem maiores patamares de dignidade. Aposta, aliás, que apenas confirma o “iter” pelo qual foram a maioria dos direitos trabalhistas, a começar pela histórica limitação da jornada de trabalho. Foi na dura luta política, através de ações diretas dos trabalhadores que a jornada de oito horas diárias foi conquistada – e não no elegante ambiente acadêmico ou nos animados palcos do debate parlamentar. Como ensinado pela história, apesar de uma certa propaganda “post facto” da excelência das reivindicações dirigidas aos legisladores, a realidade mostra que estes somente tornam-se mais sensíveis às postulações da cidadania quando estas são acompanhadas de fortes mobilizações que chamem a atenção das autoridades públicas.

Assim, pode-se dizer que, na maior parte das vezes, do ponto de vista dos trabalhadores o mais importante direito é o “ter direito de lutar para conquistar direitos”, o que significa que às classes menos favorecidas decisivo é ter reconhecido, não somente um espaço protegido para exercer a negociação coletiva, como também ter ao seu dispor meios para exercer uma pressão efetiva sobre poderes públicos e privados pela atendimento de suas reivindicações.

Historicamente, o meio mais efetivo de pacífica pressão dos trabalhadores em prol de seus interesses é o da greve, direito arduamente conquistado após mais de século de dura e sangrenta repressão. Não existe negociação coletiva efetiva sem greve. De fato, não se pode seriamente falar de um direito à negociação coletiva sem o reconhecimento do direito de uma das partes defender efetivamente seus interesses, sendo a greve, como abstenção de trabalhar, inegável direito que se deve conceder ao trabalhador, sob pena de legitimar-se o trabalho forçoso. No direito de greve, admite-se que os trabalhadores possam causar prejuízo ao tomador dos serviços, em forma peculiar de exercício de autotutela que o Estado admite justamente para permitir que, através da pressão coletiva, os trabalhadores possam defender seus legítimos interesses – e, por isso, cumprindo importante papel social dentro de uma sociedade democrática (JUCÁ, 1991, p. 119).

Assim, pode-se dizer que, sem greve o trabalhador resta indefeso e sem meios de, coletivamente, lutar pela melhoria de suas condições de vida e trabalho perante poderes públicos e privados, sendo também excluído da participação democrática nas decisões políticas que lhe dizem respeito. A greve é, portanto, um direito fundamental dos trabalhadores, sem que se justifique que este instrumento democrático de pressão não seja alcançado a todos os trabalhadores, em especial os menos protegidos pela lei, como é o caso dos trabalhadores informais, autônomos ou eventuais.

O direito de greve e os trabalhadores de aplicativo

Nos últimos tempos, o trabalho dito como autônomo tem crescido consideravelmente através dos chamados “trabalhadores de aplicativo” (ou de plataforma[2]), que alcançam, no Brasil de hoje, a impressionante cifra de quase quatro milhões (GRAVAS, 2019). São, em geral, motoristas, motociclistas ou ciclistas que transportam pessoas e mercadorias como se autônomos fossem, quando não passam de precarizados altamente explorados, que laboram sob as mais duras condições de trabalho, em horários exorbitantes e recebendo retribuições miseráveis. Esse tipo de trabalho, desregulado e avesso ao controle público, é o que mais cresce, garantindo lucros excepcionais aos tomadores, sem que a elas se assegure um mínimo de proteção trabalhista, previdenciária ou sindical. Várias sentenças, no Brasil e no mundo, tem reconhecido esses trabalhadores como empregados típicos, com vínculo empregatício.[3]

O direito fundamental de greve, como direito legítimo de prejudicar o tomador dos serviços através da abstenção do trabalho, não pode ser negado aos trabalhadores de aplicativo ainda que, para tanto, o direito deva adaptar-se às particularidades desse tipo de trabalho.

Não são pequenas as dificuldades de, por uma ortodoxia interpretativa, enquadrar em nosso marco legal regulatório da greve os trabalhadores de aplicativo. A começar pela própria definição deste tipo de trabalho, já que muitos sequer reconhecem que as aplicativos prestem serviços ao público, sustentando que sejam meras fornecedoras de serviços telemáticos aos próprios trabalhadores – que, assim, seriam meros “clientes do aplicativo”. Pequenos trabalhadores que, não raro, possuem apenas um celular e uma bicicleta são colocados no campo dos “fornecedores de serviço de transporte”, ao lado de grandes empresas de logística, algumas de porte mundial. Trata-se de um raciocínio falacioso que não merece prosperar quando se analisa concretamente quem são os grandes beneficiários pelo trabalho: além do consumidor final (que paga um preço menor pela compressão do valor da força de trabalho despendida), a “parte do leão” fica exatamente no suposto “cliente do trabalho telemático”, no caso, gigantes mundiais como Ifood, Ubereats e Rappi.

Outro ponto a ser destacado é a possibilidade de extensão do direito de greve aos trabalhadores autônomos. Não é necessário enquadrar os trabalhadores de aplicativo como empregados para reconhecer-lhes o direito à greve.  Uma visão que preconize a extensão do direito do trabalho “a todo o trabalho humano” (AVILÉS, 2000, p.307) é completamente compatível com a extensão do direito de greve também a esses trabalhadores. Constitucionalmente, não parece haver dúvidas de que o art. 7º da nossa Carta Magna, ao elencar como destinatários da proteção das normas trabalhistas todos os “trabalhadores urbanos e rurais”, sem qualquer exceção, não permite discriminar os autônomos dos trabalhadores que se beneficiam do direito de greve previsto no art. 9º, no mesmo Capítulo II, da Constituição (“Direitos e Garantias Fundamentais”).[4] Internacionalmente, há precedentes desta extensão, como exemplo pode-se citar a Itália, onde o Tribunal Constitucional Italiano (Sentença 222/1975 de 17 de junho) entendeu que mesmo os pequenos empresários que não tem empregados tem direito à greve (e não praticam, no caso, “lock out”). O mesmo o Tribunal Superior italiano em relação a médicos autônomos contra entidades seguradoras de saúde (Sentença 20 junho 1978).

Em um mundo em que as condições de trabalho são, cada vez mais, definidas fora dos parâmetros tradicionais da relação de emprego, parece importante “reconceptualizar” a greve  para abarcar os trabalhadores temporários, os de empresas subcontratadas ou de empresas em situação de grupo; justamente os que são mais vulneráveis a determinações de suas condições de trabalho por terceiros que não são o empregador: o direito de greve deverá acompanhar essas tendências sob pena de crescente irrelevância (GOMES, 2017, p. 160).

Seria questão de tempo para que, como reação à superexploração que caracteriza este tipo de trabalho, surgissem greves e outras formas de ação direta envolvendo trabalhadores de aplicativo[5].

Pela própria forma de prestação do trabalho, não se pode imaginar que estes trabalhadores possam realizar greves de forma tradicional, muito menos poderão as autoridades públicas exigir que estas greves possam seguir o feitio previsto na lei de greve, originalmente pensada para trabalhadores com vínculo de emprego. A abstenção de trabalhar, a manifestação pública por meio do exercício do direito de reunião, a ruptura da continuidade das entregas e, mesmo, o boicote às empresas envolvidas nesse tipo de comércio são formas possíveis de expressão da inconformidade dos trabalhadores, bem como veículos de pressão pelo atendimento de suas reivindicações.

Uma visão mais ampla da greve, não limitada às formas típicas em que seu exercício se esgotam na mera abstenção do trabalho, permitiria alcançar outras formas de ação direta, que poderiam envolver protestos, manifestações públicas, boicotes, propagandas, etc.

Nos últimos tempos, grande importância passaram a ter os meios de comunicação de massa para o sucesso das greves em geral, sendo provável que a batalha da comunicação será decisiva nas greves de trabalhadores de aplicativo, especialmente em caso de apelos à população em geral para boicote aos serviços de entrega. O sucesso das reivindicações das greves, cada vez mais, depende da simpatia, ainda que parcial e difusa, da greve junto à população. A força tradicional da greve que, antes, repousava na capacidade de causar danos materiais à produção, se desloca para o campo simbólico, para a força política dos grevistas em causar dano à imagem da empresa. De fato, o principal – e, talvez, o único realmente significativo – dano que a greve dos trabalhadores de aplicativo poderá infligir às empresas de tão descomunal porte será atingindo o patrimônio mais valioso dessas empresas, o valor da marca (“branding[6]).

Por outro lado, como poderá o Estado garantir o exercício sem represálias do direito de greve se um dos graves problemas criado pelas empresas de “marketplace” é justamente a falta de transparência em suas relações com clientes e fornecedores (incluídos, aqui, os trabalhadores prestadores de serviço – ou “colaboradores” no jargão corporativo)?

Talvez parte da resposta para dotar de efetividade a proteção social e trabalhista aos trabalhadores de aplicativo – também no caso do exercício do direito fundamental de greve – esteja na compreensão mais profunda de que estas empresas, em realidade, prestam um serviço público que, apesar de suas especificidades, pode e deve ser objeto de uma regulação pública que tenha objetivos mais amplos “como impedir a dominação, controlar o poder das empresas de impor condições injustas aos consumidores e produtores e controlar o acesso ao próprio mercado” (RAHMAN, 2015). 

Por fim, a natural heterodoxia das reivindicações dos trabalhadores de aplicativo – dirigidas mais às autoridades públicas do que às próprias empresas tomadoras do trabalho -, torna despicienda a tradicional oposição entre “greves profissionais” e “greves políticas”, impondo o abandono de uma anacrônica visão restritiva – infelizmente ainda persistente da jurisprudência nacional-, quando a Constituição expressamente reserva exclusivamente aos trabalhadores definir quais interesses devam ser defendidos no exercício do direito fundamental de greve.

BIBLIOGRAFIA:greve?

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de negociaçICITO – DIREITO estes fena opresse a mids esencialmente chamados

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[1] O autor é Desembargador do Trabalho do Tribunal Regional da Quarta Região, Mestre em Direitos Humanos pela Uniritter, Doutor em Ciências Jurídicas e Políticas pela Universidade Pablo de Olavide (Sevilha), Professor da Femargs e da Escola Trabalho e Pensamento Crítico, Pesquisador do Ipeatra e membro da Associação dos Juízes pela Democracia.

[2] Niels van Doorn, professor da Universidade de Amsterdan define “trabalho de plataforma” simplesmente como “trabalho mediado, organizado e governado por meio de plataformas digitais, seja por meio de um aplicativo no smartphone do trabalhador, no caso de muitos serviços incorporados localmente, ou por meio de notebook, computador de mesa ou tablet no caso de “microtrabalho” ou outras formas de trabalho realizadas on-line (VAN DOORN, 2019).

[3] Outras decisões tem buscado identificar esses trabalhadores como “semiautônomos”, ou seja, economicamente dependentes (tem poucos clientes dos quais dependem vitalmente; mesmo quando não tem horário nem controle pessoal do empresário, trabalham de forma pessoal para uma única empresa, etc).

[4] A esse respeito, SCHMIDT, 2007, p. 305.

[5] Em 1/6/2020, uma paralisação nacional de entregadores ocorreu no Brasil, atingindo as principais capitais brasileiras, mobilizando centenas de milhares de motociclistas e ciclistas que realizaram passeatas. Em São Paulo, o grupo se dirigiu ao prédio da Justiça do Trabalho. Entre as demandas, os manifestantes pediam “reajuste das taxas de entrega e corrida; fornecimento de EPIs e auxílio em caso de doença; fim do desligamento arbitrário de trabalhadores; seguro e adicional de periculosidade; fim do sistema de concorrência entre os trabalhadores (OLIVEIRA, 2020).

[6] O “branding” surgiu como uma das prioridades das companhias na última década devido à crescente compreensão de que as marcas são um dos ativos intangíveis mais valiosos que as empresas possuem (KELLER; LEHMANN, 2006 apud OLIVEIRA: LUCE, 2011).

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